Um aposentado de 66 anos, de Juiz de Fora, cidade distante 255 quilômetros de Belo Horizonte, escreveu um capítulo da histórias dos direitos civis no Brasil. José Américo Grippi viveu por 35 anos uma união estável com o capitão do Exército Darci Teixeira Dutra, morto em 1999. Depois de lutar na Justiça para ter direito ao patrimônio deixado pelo companheiro (que ele ajudou a construir ao longo dos anos), o aposentado, agora, terá direito a uma pensão. A decisão é inédita. Hoje, duas irmãs do capitão recebem o benefício porque são solteiras e ele não teve filhos.
“A sentença determina que eu tenha direito a pelo menos 50% da pensão, pois já havia vencido outras barreiras, já havia provado a união estável, conseguido direito a bens. Mas entramos em um acordo e dividimos a pensão em três. Não pedi pelo dinheiro. O dinheiro é bom, mas não tinha intenção de prejudicar ninguém. Só queria o que é meu por direito. As pessoas precisam ter coragem de lutar pelos seus direitos”, explica José Américo, que ainda não sabe detalhes sobre quanto irá receber.
A decisão do juiz Renato Grizotti Júnior, da 2ª Vara Federal de Juiz de Fora, surpreendeu até mesmo a advogada do aposentado, Julimar Dutra Pironi. “Ele ganhou a ação referente ao patrimônio, mas mesmo assim considerava difícil obter êxito no caso da pensão. Ajuizamos a ação em 2008 e o processo correu rápido. Já há outras decisões semelhantes, teve no Rio Grande do Sul, mas em Minas Gerais é a primeira vez”, afirma a advogada.
O presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil de Juiz de Fora, Fernando Menta, acredita que o caso irá abrir precedentes para decisões semelhantes em todo país. Ele cita que o INSS editou uma instrução normativa (número 25) em 7 de junho de 2000, que determina o pagamento de pensão para companheiro ou companheira homossexual. “Apesar da instrução normativa, o próprio INSS continua a negar o direito de pensão, que vem sendo reconhecido apenas via judicial. As pessoas não têm tido audácia de requerer o direito. José Américo Grippi deve servir de exemplo", afirma.
União aprovada pelos pais
José Américo começou a namorar Darci quando tinha 20 anos. O companheiro tinha 10 anos a mais. Eles moraram juntos por 30 anos e tinham um sítio, uma casa e um apartamento.
O aposentado perdeu o companheiro por causa de um ataque cardíaco e guarda boas lembranças da união.
“Fazíamos tudo juntos, íamos à missa todos os domingos, brincávamos carnaval. Mas sempre fomos muito discretos e muitas pessoas pensavam que éramos irmãos. Nosso amor não era banal, era sincero”.
A aprovação da sogra, dona Maria Izabel do Valle, aconteceu em meados da década de 70, pouco antes de ela falecer. A mãe de Darci chamou José Américo no hospital, pegou sua mão e disse: “Se você fosse uma moça, ia fazer seu casamento com ele. Eu abençoo a união de vocês”, relembra o aposentado. Ele também diz que seu pai tinha ótima relação com seu companheiro. “Ele era genro e filho para meu pai. Eu era genro e filho para a mãe dele”.
O aposentado recebe abraços nas ruas e telefonemas de diversas partes do País. São pessoas que reconhecem nele um exemplo de avanço na luta pelos direitos dos homossexuais. Questionado sobre como lida com a fama repentina, ele resume: “Sou uma referência para que as pessoas lutem pelos seus direitos. A pessoa, para ser respeitada, tem que se fazer respeitar.”
Fonte: IG
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